sábado, 22 de agosto de 2009


O rumor das vozes e dos veículos. A fina chuva que caía sobre a grande e tumultada avenida. Pessoas felizes, conversando, carregando sacolas de compras, dando risadas. Outras nem tanto. Deitadas e encolhidas sobre finos e desconfortáveis papelões distribuídos sobre as calçadas. Pessoas passando por eles. Pessoas felizes, pessoas tristes, pessoas apressadas, pessoas de bobeira. Algumas param para oferecer alguma generosidade. Outras nem notam e passam reto. Alguns chamam isso de realidade. Realidade na qual pode ser mudada.

Mais à frente, duas pessoas sentadas em um restaurante. Um casal e uma realidade que não podia ser mudada.
Entre eles um silêncio brutante e avassalador, gritando a realidade ignorada há tempos. Realidade na qual eles aceitavam. Aceitavam pois sabiam que já não havia solução. Eles se conformaram.

Conformar, aliás, é uma palavra muito difícil de se aceitar logo de imediato. Sorte a nossa que o tempo está ao nosso lado, ensinando-nos a lidar com a tal palavra.

O casal, diferentemente de muitos, já sabia se conformar. Nada mais justo. Quando duas pessoas extremamente livres ficam juntas, uma hora a dificuldade bate à sua porta. Eles acabaram se deparando com uma bifurcação. E aí só restam duas opções.

Eles decidiram se separar. Cada um ir atrás de seu sonho. Coisa que eles jamais abandonariam.


Olharem-se por um longo tempo. E, sem combinar, levantaram-se ao mesmo tempo.

O homem pagou a conta, fez questão. A mulher agradeceu. Saíram e ficaram parados em frente ao restaurante, debaixo da tenda, sem nada dizer. Ou melhor, comunicando-se pelos olhos. Não demorou muito, deram um longo e apertado abraço. Sussurraram algo meio óbvio. A mulher soltou-se dos braços acolhedores, cabisbaixa. Forte, ela. Não chorou. Deu um "até logo" , virando-se de costas, caminhando sem olhar para trás. O homem fez o mesmo.

E o casal, que já não era mais um casal, se separou. Cada um foi para o seu canto, cada qual com seu sonho dentro do peito, embalado pelo amor que sentiam um pelo outro.

É difícil dizer não. Precisa gostar muito para fazê-lo.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Já conheci muitas Marias na minha vida. Marias bonitas, Marias feias, Marias simpáticas, Marias fofoqueiras, Marias chatas.

Mas nunca conheci uma Maria tão diferente na minha vida como a Maria Ilusão.

Isso mesmo, Maria Ilusão. É um nome, não um apelido. Idéia da mãe. Aliás, mãe sempre têm idéias diferentes.

Maria Ilusão, diferentemente do nome, não é nem um pouco iludida e nem acredita em tal coisa. Ela é totalmente o oposto. Alegre, simpática, feliz e muito engraçada.

Confesso que, quando a conheci, tive um pré conceito sobre ela. Mas quando a mesma abriu a boca, mudei de opinião rapidamente.

Surpreso, perguntei se ela não se incomodava com seu nome. Ela soltou um "Não.", como se há tempos a resposta estivesse na ponta da língua. Talvez fosse verdade. As pessoas devem ter perguntado a ela a mesma coisa durente toda a sua vida.

Mas Maria não se abala por carregar um nome tão diferente e supostamente auto descritivo. Ela consegue mostrar às pessoas que o que importa não é um nome, e sim, sua essência. Algo incrível, por sinal.

E quando perguntei o que ela achava da tal da ilusão, disse-me que não ignora sua existência. Apenas não se deixa levar.

Ilusão, além de ser uma palavra extremamente perigosa e manipuladora, só possui significados ruins. Significados porque as pessoas interpretam de diversas formas.

Maria Ilusão interpreta de seu jeito. Tem a sua visão. Por vezes se pega pensando no assunto. Mas não deixa de acreditar na verdade. Um palavra mais bonita, com significados suaves.

sábado, 15 de agosto de 2009

Mais um café, por favor

Houve tempos em que a decepção vivia a bater em minha porta e as lágrimas chegavam sem permissão ou aviso. Hoje, mais humilde, vi que a decepção virou respeito e as lágrimas, um sorriso.
Você tem uma nova mensagem.

- Daqui a pouco são dez horas e nada de você lá no hospital. Por acaso está com medo?

Engasguei. Essa foi minha reação logo de imediato quando escutei a voz estridente e aguda da secretária eletrônica.

Para enviar uma mensagem, aperte o botão x.

- Não seja ridículo.

Fui na cozinha pegar mais café, já que tinha engasgado o resto que estava na caneca. Enquanto o esquentava, peguei um cigarro. Curiosamente, eu não conseguia acendê-lo de maneira alguma. Eis que toca a campainha. Desliguei o fogão e vi pelo olho mágico quem era.

- ...

Permaneci em silêncio, tentando acender o cigarro.

- Sei que está aí. Consigo escutar o barulho do isqueiro. - disse, com a voz impaciente e mais grave que o comum.

Enquanto eu tentava acender o tal do cigarro, imaginei-o atrás da porta: cabelo despenteado, blusa de frio preta e all star sujo, costeletas mal feitas, cheirinho de banho e os olhos verde claro, assim como quando está nervoso. Estremeci.

- Como sabe que estou com medo? - perguntei, concetrada no bom e velho cigarro Luck Strike, com vontade de sentir seu gostinho tostado de sempre. Já impaciente, atirei o isqueiro no sofá e peguei os fósforos que estavam no bolso do casaco.

- Se uma garota diz que está tudo bem e não consegue acender seu cigarro é porque está com medo de alguma coisa. - disse, já com sua voz serena como de costume.

Percebi que minhas mãos estavam tremendo. Encostei-me na porta e deslizei até o chão, largando a caixa de fosfóro e o cigarro, encolhendo-me e encostando a cabeça nos joelhos.

- E desde quando você diz palavras tão bonitas assim? - perguntei rindo, para evitar choro e consequentemente, soluços.Um breve silêncio.

- Ah, desde sempre. - disse, também dando risada. Aquela risada.

- Idiota...

Lágrimas inundaram meus olhos

Green Forest.

'Uma imensidão verde. Misteriosa e calma. Bonita, porém, perigosa.' Essa era a ideia que eu tinha sobre os imensos olhos dele. Tão profundo e tão magnífico que por vezes, pegava-me explorando-os, vasculhando cada canto. Mesmo sabendo que corria o risco de me perder, não encontrar o caminho de volta.

Comentei isso com Bel, certa vez. Disse-me que achavam-os normais, como qualquer um. Estranhei.

- Impossível. Impossível não perceber a profundidade daqueles olhos. Impossível não sentir interesse neles. - confessei, indignada.

- Talvez você esteja mesmo interessada é naquele que os possui. Por isso esse desejo tão grande de explorá-los.

E se fosse verdade?

Ele sorriu para mim. Um sorriso tão delicado e real, que até hoje tenho ele guardado em minha memória.

- Tomara que não seja um sonho. - eu lhe dissera.

Ele olhou fundo em meus olhos, como se quisesse descobrir o que existia além deles.

- Não é. - ele disse, abraçando-me suavemente.

Pensei ter encontrado a paz naquele instante.


Porém, eu abri os olhos.

Olhei para o lado e tudo que vi foi a janela iluminada pelas luzes da cidade. Suspirei.

- Foi apenas um sonho, afinal.
'Espero que continue sempre assim. Que dure muitos anos!'




Escrito em algum dia de Março (quase Abril) de 2008.
- E aquele fulano? Como está o relacionamento de vocês, depois de tudo?

Eu, que estava tomando um café com leite gelado tranquilamente, engasguei ao escutar a pergunta. Ele, por sua vez, deu um pequeno pulo devido à minha reação inesperada.

- Desculpa. - disse cabisbaixo.

Olhei surpresa para ele, sem nada entender.

- Desculpa? Por quê? - perguntei enquanto ia à cozinha pegar mais café.

Ele me olhou mais surpreso ainda, como se estivesse pensando que eu estava brincando com ele.

- Imaginei que o assunto fosse delicado para você. - disse enquanto se levantava, indo em direção à cozinha. - Ou não?

Aquilo me fez pensar. Encostei-me no fogão e fiquei olhando para minha caneca.

- Agora que você disse, - observei. - eu não sei bem na verdade, porque nunca tinha parado para pensar nisso, já que faz muito tempo.

Ele nada disse. Apenas se encostou na bancada e ficou de frente para mim, me observando com atenção.

- Devo admitir que falar sobre ele não é o melhor assunto do mundo. Porém, não sinto nehuma dor nem nada parecido. Apenas fico fora de órbita, bastante pensativa. E quando volto 'para cá', estou bastante exausta.

Ele riu com a minha resposta.

- Então é bastante simples. - disse sorrindo, olhando para a janela em frente à pia. - O assunto não é delicado, é cansativo, já que envolve diversas emoções de diferentes tipos.
Bonito é ver que os nossos sentimentos mudam: ficam mais maduros, mais calmos, suaves. O tempo passa, sofremos turbulências, descartamos o que não é preciso, o que não vale a pena, e o que importa fica.


Eu tive essa sorte. Olho para trás, não com rancor ou com raiva, mas com um olhar sereno, com um sorriso no rosto.

- Ela está sempre sorrindo. - disse-me, fazendo um gesto com a cabeça em direção à Emily.


Soltei uma leve risada.


- É que é muito difícil não ser feliz.

A chuva respingava delicadamente no vidro da janela. Carros passavam constantemente na rua em frente ao meu apartamento. Abri a janela para sentir os pingos da chuva em meu rosto. Suspirei.


Ele apagou seu cigarro e pôs-se de pé, caminhando calmamente em minha direção. Não desviei meu olhar, que estava concentrado nos guarda chuvas mexendo-se suavemente sobre a calçada.


Ele pegou meu braço, até então cruzado, e deslizou até minhas mãos, balançando-as de um lado para o outro.


- Não vai me contar? - perguntou-me com a voz bem baixinha, quase um sussurro.


Não olhei para ele.


- O quê?


- O que você tem. - respondeu-me naturalmente.


Não houve resposta. Desviei minha atenção para a música do Pink Floyd que estava tocando. Eclipse.


Não olhei em seus olhos uma vez sequer. Não queria. Não naquele momento.


Ele suspirou calmamente e sentou-se na cama novamente, acendendo outro cigarro.


- Bom, sabe que vou te ajudar se precisar. - disse, dando uma longa tragada logo em seguida.


Cruzei meus braços novamente e encostei minha cabeça na janela, suspirando.


- Como posso te pedir ajuda se você é meu problema?

Ele soltou minhas mãos, dando um passo para trás, cabisbaixo. Talvez o certo fosse eu não deixá-lo soltá-las. Eu não devia ter soltado suas mãos.


- Eu volto para te buscar. - disse sorrindo, dando as costas para mim.




Ele nunca mais voltou.

Eu sempre estou ao lado dela.




Mas, por vezes, sinto que ela não percebe isso.

As paredes conversam com os tetos


- O silêncio possui muitos significados.


- É? Como qual?


- Eu te amo.

Uma trilha linda se estendia à minha frente. Era muito, muito graciosa, feita de paralelepípedos rosas em formato de coração. Eles piscavam delicadamente, assim como os vagalumes. Ao lado esquerdo, havia girassóis amarelos vivos. Ao lado direito, oh!, girassóis rosa chá! Eles não eram simples girassóis, por sinal. Possuiam feições.


Virei-me para observá-los. Feito isso, eles levaram as folhas, que eram suas mãos, ao encontro de seus rostos, que estavam na coloração de um vermelho claro, quase um salmão. Eles balançavam-se de um lado para o outro, com toda a graça que existe neste mundo.


Sem perceber, eu estava sorrindo. E sem perceber, eu aproximei minha mão do caule de um dos girassóis amarelos. Parei para ver se ele percebera, mas ele estava ocupado demais balançando-se de um lado para o outro. Então eu prossegui, fazendo cócegas nele.


Ele soltou uma risada maravilhosa. Os outros girassóis observavam o que estava acontecendo, e segundos depois, também estavam gargalhando. Formou-se um coro lindo, lindo. Acabei participando também: era irresistível. Só depois percebi que suas pétalas brilhavam! Ficou igualmente lindo com o brilho dos paralelepípedos.


Quando eu comecei a caminhar para frente, os inúmeros girassóis inclinavam suas cabeças até encostarem em meu rosto. Um gesto de carinho, muito bonito por sinal.


Desejei que aquela trilha maravilhosa não terminasse nunca. Os girassóis possuem algo de extraordinário.



Abri os olhos. Fiquei triste por ser apenas um sonho.



Ou não. Cheirei meu pulso, ele estava com o aroma dos girassóis. Sorri.

Dois Tempos

Sonho é algo bem complexo. No entanto, gostaria que as pessoas de lá existissem aqui também. Elas, por sua vez, não são nem um pouco difíceis de entender.


É claro que existem exceções:


"- Por isso fiquei aqui: para não te perder de vista.

- Ah é? Pensei que você fosse apenas um tarado."

- Que curioso. - eu disse, com o olhar fixo nele. - Você foi a pessoa que eu mais desejei ter ao meu lado. E até algum tempo atrás, eu acreditava que isso jamais aconteceria. Mas agora, você está diante de mim!


Ele sorriu.


- E eu posso te tocar. - disse, afagando meu rosto.


- Eu consigo te alcançar se esticar meus braços.

Olhei para ela e tudo ao nosso redor desapareceu. Nada mais restou. Será algum tipo de truque?


Não.



Naquele momento, descobri o que é ter olhos só para uma pessoa.

Desde os meus quatro anos, eu o seguia. Gostava de observar suas costas, parecia que ele possuia asas. Eu me sentia confortavelmente segura.


No dia em que eu completei quinze anos, ele me pediu para que eu deixasse de segui-lo:


- Agora que você tem suas próprias asas, não precisa mais de mim. - disse com seu sorriso carinhoso. - Nem de mais nada.



Na verdade, eu precisava. Mas não quis depender dele para sempre. Por isso, ignorei meus sentimentos e virei as costas, caminhando para frente sem olhar pra trás.

Naquela época, eu era apaixonada por olhos. Olhos de todos os tipos e colorações.


Não importava o ambiente, eu sempre observava as pessoas com atenção, a fim de descobrir se existia algo além de seus olhos.


"Esse é fundo e bonito. Já aquele ali é raso e escasso. Aquele lá é perigoso. O dele é psicodélico.", e por aí ia minhas conclusões.


Em uma de minhas "caçadas", por assim se dizer, encontrei uma especial.


Eles se destacavam no meio dos demais. Será que havia alguma espécie de feitiço neles? Parecia que os olhos se mexiam. Parecia asas de uma borboleta: bem delicado e em câmera lenta.


Me perguntei diversas vezes o que havia dentro deles. Até que, certa vez, alguém comentou que os olhos são as janelas de nossas almas.



Concluí então que a alma dele era extremamente livre.

- Por que você quer tanto me amar?



- Por causa do seu sorriso.
As ilusões passam, a tristeza passa, o desespero passa, o choro passa. Tudo passa.


Mas o sorriso fica.

Vai e volta, vai e volta, vai e volta, vai e volta.


E de novo vai e volta.


E mais uma vez vai e volta.


E por último vai e volta.



- Chega, isso tá me dando enjôo. Vamos terminar antes que isso acabe com a gente.

Na hora eu acreditei com todo o meu coração. Depois descobri que nem sempre as pessoas conseguem fazer o que prometem. Ou elas simplesmente falam por falar. Infelizmente.
As pessoas deveriam pensar bastante antes de dizer algo, o que quer que seja. Felizmente e infelizmente, as palavras têm um poder incrível sobre nós.

- Olha para o céu. - ela me disse.

Olhei.

- O que tem lá? - perguntei curioso.

- Agora olha para o sol.

Olhei novamente, dessa vez com a mão sobre o rosto.

- Seu sorriso se parece com ele.

- Com quem? - perguntei confuso.

- Com o Sol. - ela disse sorrindo. - É brilhante e nos passa uma sensação de conforto, de estar em casa. Afasta todas as nuvens cinzentas para dar lugar ao céu azul límpido.

Olhei surpreso para ela.

- Pode não parecer, mas seu sorriso causa muitos efeitos sobre mim. - disse enquanto olhava para o céu. - Quando olho para você, tenho vontade de sorrir.


E eu de chorar. De emoção.

Até hoje.
- O que foi? Tá apertado? - perguntou meu amigo.

Assenti com a cabeça, enquanto afrouxava o lenço amarrado em meu pescoço.


- Odeio coisas que ficam me sufocando.

Moço


- Olá, gostaria de voar comigo? - perguntou o garoto de olhos verdes. - Posso te levar a lugares inimagináveis.


- Voar? Como você consegue voar?


- Sonhando. - disse sorrindo, com os olhos brilhando. - Eu gosto de dividir sonhos.




Descobri que gentileza tem nome. E o amor também.

Meu pé dói. O sapato abre a ferida que havia começado a cicatrizar. A chuva desaba sobre minhas costas. Que pesado.
Não vou desistir. Quem disse que eu vou desistir? Falta tão pouco. Eu não daria outra coisa pra fazer na vida. Vale a pena.
Mesmo estando tão perto, sinto ela cada vez mais longe de mim.

Um cumprimento. Voz grave. Coração disparado. Não sei por quê. Estranho. Aperto de mãos. Arrepio. Estranhíssimo. Festa. Heinekens. Troca de olhares constante. Grupo de amigos. Brenda Russel. De repente a sós. Conversas. Afinidades. Cigarros. Everybody's got to learn sometime. Risadas. Isqueiro emprestado. Ficou pra mim. 4:00 A.M. Beijo no rosto. Arrepio. De novo? Um até mais. Carro. Casa. Pensamentos. Cama. 11:00 A.M. Restaurante. Everybody's got to learn sometime. Ah, merda. Saudade inesperada. Carro. Um telefonema. Susto. Voz grave. Coração saindo pela boca. Chuva. Sorriso. Ansiedade. Café. TV. Tédio. Unhas roídas. Maravilha. Tédio. Elliot Smith. 5:00 A.M. Sono. Cama. 13:30 P.M. Desespero. Qualquer roupa. Carro. Nervosismo. Everybody's got to learn sometime. Encontro. Sorrisos. Abraço forte. Surpresa. Ah, deixa pra lá. Mãos dadas. Cafeteria. Conversa. Naturalidade. Chuva. Carro. Silêncio. Convite. Sorriso. Casa. Café. Everybody's got to learn sometime. Silêncio. Declaração inesperada. Vergonha. Sinceriedade nos olhos. Alívio. Risadas. Carinho. Delicadeza. Beijo. Mais beijo. E outro. Ah, mas um. Último, juro. Ah, só mais um. Risadas. Abraço. Final feliz.

Despertar

Abri os olhos. O quarto abarrotado estava claro. Sentei-me na cama um pouco zonza, olhando para os lados com a mão na cabeça. Tudo ao seu devido lugar: colchões esparramados pelo cômodo, alguns ainda dormindo, outros na cozinha, preparando o café da manhã, por sinal.

- Bel? - era o Lucas. - Está tudo bem?

Ele me observava com certa preocupação no rosto. Estava sentado num dos colchões, com uma expressão de ressaca. De fato.

- Por que está chorando? - perguntou enquanto levantava-se da cama para sentar ao meu lado. - Teve algum pesadelo?

Só percebi que estava chorando quando ele me disse.

- Não... - eu respondi, esfregando os olhos. - Foi um sonho bom.

Ele me olhou confuso.

- Então por que está chorando?

Suspirei.

- Porque eu abri os olhos. - eu disse enquanto pegava o cigarro que estava na cabeceira da cama, pousando minha cabeça sobre seu longo ombro - Porque eu acordei.

Para falar de amor,

é preciso muito pouco.



- Me diz, se você não é dependente químico, por que fuma? - perguntei enquanto acendia outro cigarro. - Afinal, você pode parar quando quiser.

Ele riu.

- Ah, eu não quero morrer depois de você.

Quando eu estava com ele, me sentia mais próxima do céu.


Quando fiquei sem ele, eu me sentia sem chão.




Engraçado.
Ela subia, subia e subia. Degrau por degrau. Às vezes subia a cada dois, três e até quatro. Às vezes ela descia. Às vezes caía e se machucava, mas nem por isso parava. É preciso cair para aprender a se levantar.

A escada era reta e longa. Isso era. Mas parecia um labirinto. Vários outros caminhos se estendiam a frente dela. Bifurcações, trifurcações, não importa, eram tantos que fazia a pobre escada, antes tão reta e cheia de certeza, parecer um caminho cheio de armadilhas e dúvidas.

Às vezes ela errava o caminho. Às vezes ela acertava. Às vezes saía machucada. Às vezes saía curada. Às vezes era tudo isso junto.

E durante todo o seu trajeto, ela encontrava pessoas de todo o tipo. Algumas ajudavam ela. Outras atrapalhavam. Tinha também aqueles que faziam ela chorar. E aqueles que faziam ela rir.

Mas, é claro, dentre todas elas, ela conhecera uma especial. É bom ter alguém para caminhar com você lado a lado.

Porém, às vezes perdemos as pessoas de vista. Assim como ela perdeu.

E por mais que ela descesse e subisse a escada, ou que vasculhasse cada canto e percorresse trajetos assustadores sozinha, ela não conseguia encontrá-lo. Até hoje não o encontrou.








É triste perder as pessoas de vista.
Duas pessoas caminhavam na grande avenida cheia de prédios. Uma estava com pressa e andava rapidamente, quase correndo. Só não o fazia por causa do salto. Já a outra estava sossegada, caminhando tranquilamente.

A apressada, de tão apressada, esbarrava em todas as pessoas à sua frente. Numa dessas, esbarrou na outra, a sossegada.

As duas pararam e olharem-se com certa surpresa. Ficaram sem graças e por um minuto, nada disseram.

A sossegada, a fim de quebrar o silêncio perturbante, disse um "Olá". A apressada disse outro "Olá" educadamente, embora não parecesse muito confortável diante de toda aquela situação.

Então a apressada lembrou que estava atrasada e disse um "Adeus" apressado, andando mais rapidamente.

A sossegada disse outro "Adeus", embora a apressada já estivesse longe.

E apesar das duas não possuírem as mesmas opiniões e estarem em um estado de espírito totalmente diferente, sabiam muito bem que era disso que se tratava a vida: olá e adeus.