domingo, 17 de março de 2013




"Mas tudo isso é vento que passa. A essência dos suicídios não consistia em tristeza ou mistério, mas apenas em egoísmo. As meninas tomaram nas próprias mãos decisões que deveriam ser deixadas para Deus. Tornaram-se poderosas demais para viver entre nós, absortas demais em si mesmas, visionárias demais, cegas demais. Depois delas, o que permaneceu não foi a vida, que sempre sobrepuja a morte natural, mas uma lista absolutamente trivial de fatos mundanos: um relógio tiquetaqueando na parede, uma sala na penumbra ao meio-dia e o ultraje de um ser humano pensando apenas em si mesmo. O cérebro dela se distanciando de todo o resto mas flamejando em pontos específicos de dor, ofensas pessoais, sonhos perdidos. Todos os outros entes queridos retrocedendo como gelo arrastado pela corrente, encolhendo até se tornarem pontos negros agitando os bracinhos, fora do alcance dos ouvidos. E então a corda presa na viga, o remédio para dormir colocado na palma da mão junto à linha da vida comprida e mentirosa, a janela escancarada, o forno ligado, enfim. Elas nos fizeram participar de sua própria loucura, porque não conseguíamos deixar de refazer seus passos, repassar seus pensamentos, e ver que nenhum deles conduziam até nós. Não conseguíamos imaginar o vazio de uma criatura que encosta uma navalha nos pulsos e abre as veias, o vazio e a tranquilidade. E tivemos de esfregar os focinhos nos últimos rastros que elas deixaram, as marcas de lama no chão, as malas que serviram de degrau, tivemos de respirar para sempre o ar dos cômodos onde elas se mataram. No fim não importava quantos anos elas tinham ou que fossem meninas, mas apenas que as amamos e que elas não nos ouviram chamar, e ainda não nos ouvem, aqui em cima na casa na árvore, com cabelos rareando e barrigas moles, chamando-as para fora dos quartos onde entraram para ficar sozinhas para sempre, sozinhas no suicídio, que é mais profundo que a morte, e onde nunca encontraremos as peças para montá-las outra vez."

Jeffrey Eugenides.

quarta-feira, 13 de março de 2013




"a uma carta pluma
só se responde
com alguma resposta nenhuma
algo assim como se a onda
não acabasse em espuma
assim algo como se amar
fosse mais do que bruma

uma coisa assim complexa
como se um dia de chuva
fosse uma sombrinha aberta
como se, ai, como se,
de quantos como se
se faz essa história
que se chama eu e você."


Paulo Leminski, 1988. 



"Amar você é coisa de minutos
A morte é menos que teu beijo
Tão bom ser teu que sou 
Eu a teus pés derramado
Pouco resta do que fui
De ti depende ser bom ou ruim
Serei o que achares conveniente
Serei para ti mais que um cão
Uma sombra que te aquece
Um adeus que não esquece
Um servo que não diz não
Morto teu pai serei teu irmão
Direi os versos que quiseres
Esquecerei todas as mulheres
Serei tanto e tudo e todos
Vais ter nojo de eu ser isso
E estarei a teu serviço
Enquanto durar meu corpo
Enquanto me correr nas veias
O rio vermelho que se inflama
Ao ver teu rosto feito rocha
Serei teu rei teu pão tua coisa tua rocha
Sim, eu estarei aqui"

Paulo Leminski, 1968.






"tão longe eu lhe disse até logo
um pouco de tudo passou-se outra vez
e foi uma vez toda feita de jogos
aquela outra vez que não soube ser vez
pois voltou e voltou e voltou
sem saber que de duas uma
nunca são três"