quinta-feira, 30 de maio de 2013



"Nas alturas de nossa embriaguez, ele continuava dizendo que todo mundo é louco, e eu lhe dizia que sim, sim – todo mundo é louco. As pessoas são incompreensíveis, nada é como esperamos que seja. E enquanto observávamos, preocupados demais com a qualidade do metal que encontraríamos sob a terra, no final nos vimos no meio de uma terra que nós mesmos devastamos. A festa tinha acabado então. Pois se todo mundo é louco, eu lhe dizia na volta, com os bolsos vazios, isso nos torna mais loucos ainda."

Thiago Dias.

sexta-feira, 24 de maio de 2013


"Foram montanhas? foram mares?
foram os números...? - não sei.
Por muitas coisas singulares,
não te encontrei.

E te esperava, e te chamava,
e entre os caminhos me perdi.
Foi nuvem negra? Maré brava?
E era por ti!

As mãos que trago, as mãos são estas.
Elas sozinhas te dirão
se vem de mortes ou de festas
meu coração.

Tal como sou, não te convido
a ires para onde eu for.

Tudo que tenho é haver sofrido
pelo meu sonho, alto e perdido,
- e o encantamento arrependido
do meu amor."

Cecília Meireles.

Da Bela Adormecida



                                                    1

"(Há névoa.)
Um beijo seria uma borboleta afogada em mármore.
Uma voz seria raiz perfurando cegueiras.
As paredes unificaram feitios e cores. (Há névoa)
e mesmo as janelas abertas estão fechadas com arminhos
e as soleiras revestidas de musgos, líquens, pelúcias brancas.

E fundiram-se as montanhas. (Há névoa), dissolveram-se no ar os mortos astros.
As areias povoaram-se de avestruzes, ursos brancos, beduínos,
imóveis, sentados, esperando.

(Há névoa.) Entre água e céu invisíveis,
suspendem-se os navios, desfigurados em ouro difuso.
E as árvores encanecem, numa inesperada velhice.
Se uma flor cair, não poderá dizer "Boa noite!" a nenhuma outra,
porque de ramo a ramo, erram distâncias invencíveis.

É assim como entre nós. Figura sem rosto, caminhante do mundo.

(Há névoa.)
Minhas palavras são folhas soltas no ar espesso,
indo e vindo à toa, olhando apenas para si mesmas.

No peso do ar fatigante, remam as minhas mãos e despedaçam-se.
É sempre longe, mais longe. É sempre e cada vez mais longe.
Oh! Se existisse um limite!
(Há névoa.)

Filtra-se por meus olhos a cinza da noite silenciosa.
Caminha pelo meu sangue com o passo pegajoso da sua vida acre.
Pousa em meu coração. Descansa. Adere à minha vida guardada...
(Há névoa.)

E no entanto, em minha memória, ainda existe uma espécie de música!"

Cecília Meireles.

E eu?



quinta-feira, 23 de maio de 2013

Fratura Exposta



"Não dói a ausência. Dói isso que fica. Esse processo penoso que chamamos de luto não é falta, é presença. A chaga, a fratura, o órgão dilacerado, é esse vulto, essa imagem difusa que não nos deixa, a permanência do que não existe mais. O último “eu te amo” dito é um fêmur que se parte em dois e que rasga o músculo. O primeiro segurar na mão dela é a clavícula exposta quando tudo termina. O beijo que você relembra a cada fechar de olhos é um maxilar feito em pedaços."

Marcos Donizetti.