sábado, 19 de janeiro de 2013


 "Desejo boiar. Abro meus braços. Movo lentamente os pés porque se fico imóvel afundo, mas sinto como se estivesse usando um truque ilegal. Queria boiar imóvel, como aquele gordo ali. De toda forma estou dentro, repousado, sentindo a estranha espessura do que me sustenta. Não é como boiar na água doce e límpida de um lago - o mar vive, respira, encrespa, espalha seus humores desde a borda de outro continente. Talvez seja a escala do seu corpo comparada à do meu que me descanse - além do sal, que me ajuda a boiar. Escapo à sequência naturalizada mas descontínua da vida em terra firme e me deixo durar sem pedaços. Ouço o rumor dos gritos de duas crianças, o motor de uma lancha vindo de dentro da água mas estou preservado do que haveria de estímulo nisso. Durmo sem sonhos, escama pequena de um dragão imóvel, afundado em minha leveza como uma pedra em seu peso. 
É assim, como se retornasse de uma longa viagem da qual já não lembro nada que me aproximo de você, mar remoto mas íntimo, alheio mas meu. Tenho um sentimento agora de que mereço você - depois de tudo o que passei, mereço pelo menos você. Afundo meus pés em tua areia gelada, vejo as marcas que deixei. Me deixo engolir pela onda num mergulho assustado, ponho a cabeça para fora para respirar, já tomado. Já fui tomado. Você não poupa ninguém. E quando volto para casa, para a solidez estranha da parede, da telha, da madeira e do chão, penso numa carta que gostaria de enviar a você. Não através de você, tentando alcançar uma outra praia dentro de uma garrafa, mas a você mesmo, lançada em tuas ondas, no meio delas, em papel comum que a tua espuma logo vai dissolver."



Meu mar, Nuno Ramos.

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