domingo, 27 de novembro de 2011

"Os olhos de Maya eram escuros, pelo menos era o que eu achava. Em minha vida, nunca vira nada semelhante. Quem quer que os olhasse mergulhava como em um rio em que tudo remete ao sonho e à aventura.
 Não esqueci aqueles olhos; jamais os esquecerei. Insisto nisso, pois, mesmo que me enganasse, parece-me importante para a história: eram risonhos, de um azul-negro singular, irregular, ao mesmo tempo perturbador e calmante. Azul-escuro, como uma noite de primavera no oceano, ou o azul acima do deserto. Por um momento, pareciam queimantes a ponto de causarem mal; depois, sem se alterarem, sem qualquer transição, sob as finas pálpebras, abriam-se como uma oferenda. E tinha-se vontade de escrutá-los ainda e ainda, acariciá-los com o olhar, sobrecarregá-los com algum sentido secreto, abrasá-los. O que os poetas e romancistas dizem a respeito dos olhos e de seu poder é, ao mesmo tempo, verdade e mentira. Espelhos da alma? Janela para o inconsciente? Sim, sem dúvida. Mas os de Maya eram mais, muito mais: reviravam-nos o estômago e retorciam as vísceras. Dissesse-me uma palavra enquanto me olhava, e eu estava pronto a levá-la até os confins da Terra. Apanhasse-me a mão, e eu deixaria a morte me tragar para a felicidade última com a qual não se transige.
 Por sua causa, o azul permaneceu minha cor preferida.
- O senhor me olha e eu o olho - ela disse, com seu pequeno sorriso no canto dos lábios. - Isso basta para imaginar o possível e até mesmo vivê-lo, não acha?"

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