quinta-feira, 22 de outubro de 2009

- Aquela sensação de estar em casa, sabe?
- Aham. - foi o que ela me respondeu enquanto fechava a janela do carro. Começara a chover forte. Ótimo, pensei. Chuva e trânsito. Bom para quem não tem compromisso. Bom para quem está de guarda chuva.
- Adoro guarda chuvas. - comentei sem pensar.
Ela olhou para mim com um sorriso divetido no rosto:
- Também gosto. Elas têm um quê de graça e suavidade. - disse enquanto ligava o som. - Além de nos passar uma sensação de segurança.
Fiquei interessado no que ela disse, então quastionei:
- Mas, e se a chuva ficar muito forte? Um guarda chuva certamente não resolverá o problema. Você passará então a sentir insegurança.
Ela coçou o queixo - mania que possui quando está pensando - e ficou quieta por alguns minutos, até que olhou para mim com uma expressão de quem acaba de encontrar uma resposta:
- Vamos fazer assim, então: comparemos esse guarda chuva com aquelas paixõezinhas passageiras, ou até mesmo platônica que todo mundo já teve.
- Continue. - comecei a ficar empolgado e diminuí o volume do som.
- Bom, a princípio você se sente seguro. Seguro porque a chuva está amena. Seguro porque você acha que aquela paixão conseguirá te proteger de tudo e de todos, e mais: seguro porque você acha que aquilo irá te fazer se sentir seguro.
- E aí, quando a chuva aumenta...
- Quando a chuva aumenta, você percebe que aquele guarda chuva não é suficiente. E de fato, não é mesmo. Você então começa a procurar um abrigo. Às vezes você pode passar a vida inteira procurando, às vezes não. Ou então você pode não encontrá-lo, o que é muito triste. Mas você sabe reconhecê-lo quando o encontra: aquela sensação de conforto, de estar em casa, - ela sorriu para mim - de sentirmos um alívio, sabe?
- Sei. Aquilo de chegar em casa todo molhado e dizer "ufa".
- Exato! Não há quem não se molhe enquanto procura o seu abrigo.
- Mas e aquelas pessoas que usam diversos guarda chuvas enquanto procuram?
- Deve ser algo como "Enquanto o certo não chega, eu fico com o errado". Mas não adianta: elas podem acabar perdendo-os.
- Ou o vento pode levar.
Ela sorriu.
- E aqueles que nos oferecem uma carona? - perguntei enquanto avança um pouco mais o carro.
- Amigos! Ou aqueles a quem chamo de gentileza. - ela deu um sorriso mais largo ainda.
- Bem pensado.
- É fato que hoje grande parte das pessoas só olham para si mesmas.
- Concordo. Só enxergam aquilo que se refere a si mesma.
- Pois é. Às vezes o abrigo está lá, pertinho e elas nem percebem. Tudo porque não olham para o lado, só para si mesmo.
- Por isso a gentileza tá em falta hoje em dia. O melhor mesmo é você ser humilde, ter delicadeza, respeito e achar graça em se molhar. Tudo com mais leveza.
- Aham. É que sabe o que é? Sem gentileza, não existe delicadeza. Sem delicadeza não existe amor e sem amor não existe leveza. Está tudo interconectado.
- É. Não por acaso, o amor é feito de sensações, cheiros, visões e gestos.
- Aquilo de estar em casa ou no carro quando lá fora se vê uma tempestade. - ela disse sorrindo para mim. Será que o tal do abrigo era o sorriso dela?
- Ou andar na chuva de mãos dadas com alguém. O que transmite segurança igualmente. Afinal, tendo seu abrigo sempre ao lado, você sempre se sentirá seguro.
- A ideia não me parece de todo o ruim. - disse enquanto estendia sua mão em minha direção, convidando-me para achar graça da chuva ou zombar a maldita.



Tudo, claro, junto com ela, o meu abrigo.

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