segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

"Museu é o mundo"




"Hélio falava sobre o "Delirium Ambulatório", uma espécie de movimento criativo que ele desenvolvia em suas caminhadas pela cidade, principalmente pelo centro do Rio de Janeiro, passando pelo Mangue, entre a Central do Brasil e o Morro da Mangueira, que o levava aos mais variados vislumbres sobre formas de novas obras. Nessas caminhadas criativas, ele sempre levava um bloco de fichas, que chamava Index Cards, onde anotava os detalhes para seus projetos. Como um explorador em um grande labirinto, Hélio se deslocava no espaço urbano, fosse de ônibus ou a pé, reconstruindo o mundo como um grande quebra-cabeça, a ser esmiuçado e reinventado, como em seus Núcleos, em que retira a pintura da prisão bidimensional e a joga no espaço, como quem quer revelar a sua essência, enquanto cor, tempo, estrutura e obra diretamente conectada à vida.
Quando criança, Hélio decorou todo o Guia Rex da cidade do Rio de Janeiro. Ele conhecia as diversas linhas de ônibus, inclusive todos os seus pontos. Daí, inventou uma brincadeira chamada "motorista de ônibus", que parava em todos os pontos, segundo suas sequências em cada linha. Mais tarde, ele imaginou uma cidade, a qual chamou de Segunda Parte de Belo Horizonte, e fez dela uma imensa planta. Essas histórias, mais que meras curiosidades, nos levam a entender sua forma de pensar, desde criança até seus últimos trabalhos.
Assumindo sempre uma posição de observador, ele se debruça com intensidade sobre determinado mundo e o disseca, de tal maneira que pode dominá-lo totalmente, a ponto de desmontá-lo, dando a ele uma nova feição. Sua visão anárquica não se contenta com fórmulas prontas. Na verdade, a desmontagem de alguns preceitos, tidos como rígidos e institucionalizados, nos revela sempre um novo mundo, uma nova possibilidade.
Em sua práxis, Hélio trabalhou como um inventor que constrói suas obras a partir de descobertas, geradas em sua vivência diária, seja no Morro da Mangueira ou no contato com a obra de grandes mestres, como  Klee ou Mondrian, e reveladas em profundas pesquisas plásticas, sensoriais e culturais. Então, inicia um processo de mitificação, seguido pelo de "desmitificação", quando se apropria de certas formas que, muitas vezes, reconstrói adiante em arte. "Desmitificação", aliás, foi um conceito caro para Hélio nos seus últimos anos, como podemos ver em suas últimas entrevistas, onde ele ressalta o seu processo de desmistificação como uma maneira de desconstruir mitos."

César Oiticica Filho.

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