domingo, 8 de janeiro de 2012

"Uma obra de arte, anotou Paul Valéry, deveria nos dizer que não vimos o que estamos vendo. Vimos ou não vimos? Vimos e não vimos. Estamos vendo. A obra de arte nos retira de um tempo e nos reinstala em outro. Um tempo à parte, um lugar à parte. A arte não está em lugar algum, a não ser no próprio lugar da arte. Mas, por natureza, a arte é sempre um outro lugar: quando se põe o pé onde ela está, quando ela termina de pôr o pé onde ela mesma está, já está em outro lugar. Em lugar algum, em nenhuma parte.
Arte e utopia são conceitos imbricados. Expressões - cada uma é mais do que uma palavra - quase sinônimas. Quase porque falar de uma não é falar de outra automaticamente. A arte de algum modo sempre implica uma utopia, mas a utopia nem sempre implica a arte. O que move a arte é o princípio da utopia. O que move a utopia não é o desejo da arte. A arte é um outro lugar. A utopia quer um outro lugar. São dois lugares que não têm as mesmas coordenadas no espaço cultural. A arte se abre para a utopia, a utopia costuma fechar-se para a arte. É um jogo de atração e repulsão: se a arte realizar sua utopia, a utopia talvez não precise mais da arte. Pelo menos, é o que pensa a a utopia. Por isso, a utopia - o não-lugar - é sempre de sua própria parte, enquanto a arte não é de nenhuma parte. Nessa tensão, os sonhos de uma são povoados, às vezes assombrados, pelos traços e vultos da outra.
Com o que sonha a arte, o que quer a arte da utopia, o que a utopia quer da arte, com o que sonha a sociedade quando sonha com a arte, para onde olha a arte, o que vêem seus olhos? "O olho não pode ver-se a si mesmo (...), o olho vê-se no avesso do olho (...), silêncio: olho do furacão."

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